segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A quem serve a extradição de Cesare Battisti?

Recebi este texto e quero compartilhar com vocês porque faço minha as palavras da autora.

TAYLISI DE SOUZA CORRÊA LEITE[1]

No fim da primeira década do século XXI, sessenta anos após a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, elaborada no ambiente de comoção do
pós-guerra, ainda assistimos a inúmeras afrontas aos direitos humanos e à
democracia, em nome da supremacia de interesses conservadores, mascarados
sob o manto de uma suposta legalidade. A celeuma em torno do processo de
extradição de Cesare Battisti é apenas mais um exemplo emblemático de como a
direita atua. Ele próprio, pivô de uma contenda que assumiu contornos
monumentais, já declarou à imprensa não compreender tamanho drama
internacional em torno de seu caso.
Battisti, nos anos 70, integrou o grupo italiano PAC (Proletários Armados pelo
Comunismo), ligado às Brigadas Vermelhas, movimentos europeus revolucionários de esquerda, afeitos à luta armada. Perseguido pelo governo reacionário da época, a cuja corrente política se liga o atual presidente italiano Silvio Berlusconi, o
ex-militante foi condenado por crime de "organização subversiva", e quatro
homicídios, dos quais ele nega, sistematicamente, ser o autor. Não por
acaso, ao requerer a extradição, o governo italiano omitiu a primeira
condenção, o que, desde logo, enseja vício formal no pedido, por
violação do dever de verdade processual. Porém, para além do argumento de
forma, há a clara constatação de que o governo italiano quer distorcer uma
perseguição nitidamente política, solicitando a extradição de um suposto
homicida, e não de um militante de esquerda. O Ministro da Justiça
brasileiro, Tarso Genro, coerente com sua própria história pessoal e com os
princípios do Estado brasileiro, concedeu refúgio político a Battisti,
entendendo que há fundado temor de perseguição política pairando sobre o
fato. Agora, a questão será dirimina por nosso Pretório Excelso, assim que
retomar suas atividades, nesta segunda-feira (02/02/2009) . Juridicamente,
há um argumento invencível para a não concessão do
pedido de extradição pelo Brasil – os crimes imputados ao italiano são
anteriores à Lei da Anistia. A Lei Federal 6.683, de 28 de agosto de 1979,
anistiou todos os brasileiros e estrangeiros que praticaram delitos até aquela
data, dentro do regime de exceção da ditadura. Isso beneficiou até mesmo os
torturadores, os quais não tinham por escopo lutar por uma sociedade mais justa,
como era o caso das Brigadas européias. O princípio da dupla incriminação veda a
concessão de extradição se a conduta já foi anistiada pelo país requerido. No
Brasil, a punibilidade de Battisti está extinta por força de Lei. Se, aqui, ele
jamais seria punido pela conduta, é juridicamente inadmissível sua extradição a
outro país que pretende executar a pena – no caso, de prisão perpétua. Até a
sua prisão provisória, forjada pela polícia federal no Rio de Janeiro, é
absolutamente ilegal. Mas, a despeito da força normativa de tais argumentos,
não se sabe qual será a postura do STF, já que se trata de questão
nitidamente política. Parte da imprensa tem denominado Cesare Battisti de
"terrorista italiano". Após setembro de 2001, o termo "terrorista" tem
sido empregado por conservadores, toda vez que uma ação política incisiva
contraria seus interesses. As ações terroristas, como as da Al-Qaeda,
caracterizam- se por eleger alvos civis desprotegidos, sempre com o elemento
surpresa, para espalhar pânico entre uma população. Contudo, esse modus
operandi não se confunde com a luta armada revolucionária, apesar desta
forma de ação não ser elogiável, por apelar à violência. Aliás, o próprio
Battisti, pai de família de 53 anos, reconhece o equívoco dessa via,
afirmando que "caiu na cilada da luta armada". Terroristas são os ataques de
Israel à Faixa de Gaza, o Nazi-fascismo, as bombas norte-americanas em
Hiroshima e Nagasaki. Mas os direitos humanos só valem para os opressores
quando seus propósitos sórdidos serão alcançados. O pivô italiano
abrigara-se na França, trabalhando como zelador para sustentar
suas três filhas, quando o presidente francês Mitterrand lhe concedeu asilo
político; todavia, ao assumir, Jacques Chirac deferiu a extradição. Desde então,
Battisti está no Brasil. Ora, o governo italiano, fortemente influenciado
pela ideologia fascista que volta a assombrar a Europa, insiste em criar um
incidente diplomático escabroso com o Brasil, devido à negativa do Ministro
Tarso Genro. Berlusconi pediu o apoio de toda a União Européia, para incitar
a animosidade entre nosso país e o velho continente, sendo prontamente
apioado pelo atual presidente da França, Nicolas Sarkozy, também de extrema
direita, que quer fazer da demanda um trunfo eleitoreiro. Lembremos,
portanto, meus caros, que, há muito, os interesses são os mesmos; o que muda
são as estratégias. Terror é o que causa um sistema excludente, vitimando
milhões de famintos há séculos. Esperemos que, ao menos em nome da
legalidade, o Supremo Tribunal Federal não reproduza o erro que cometeu com
Olga Benário, conservando a respeitabilidade de nosso Estado e
honrando nosso compromisso com a dignidade humana e a democracia.


[1] Advogada, Professora de Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal.
TAYLISI DE SOUZA CORRÊA LEITE

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